A nova realidade da saúde mental no trabalho
Publicado em 23 de outubro de 2024
Por Leticia Ribeiro
Dados da plataforma de jurimetria Data Lawyer mostram que os processos na Justiça do Trabalho citando o burnout cresceram de 1.809 em 2021 para 3.164 em 2023, praticamente dobrando de volume.
A Síndrome de Burnout ganhou mais destaque depois de janeiro de 2022, quando foi incluída na Classificação Internacional de Doenças pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Ela não era nova, mas ainda se debatia se era necessariamente uma doença decorrente do trabalho ou não.
Desde que sua natureza ocupacional foi pacificada, os números e relatos de novos casos cresceram de maneira exponencial. Dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho indicam que aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com a doença, o que faz do Brasil o segundo país com mais casos diagnosticados no mundo.
Por definição médica, o burnout é resultante de um estresse crônico no trabalho. Em linhas gerais, traz exaustão e esgotamento mental para os profissionais, reduzindo a produtividade e a capacidade de trabalhar adequadamente.
Sendo tão frequente nos últimos anos, o fenômeno também passou a ser prioridade para os empregadores – afinal, uma das consequências do problema é justamente a necessidade de afastamento, além da possibilidade de pagamento de danos morais e materiais caso o empregado entre com uma reclamação trabalhista.
Como forma de combater o problema, empresas de diferentes segmentos e portes passaram a investir mais em programas de saúde mental para a sua força de trabalho.
É o que revela, por exemplo, um estudo encomendado pela Mercer Marsh, que constatou que as empregadoras brasileiras estão investindo cerca de R$ 367,73 por colaborador em ações como essas, um crescimento de 11% em relação aos R$ 330,44 registrados em 2021.
Além disso, quase metade (49%) das empresas pretende aumentar os investimentos em saúde e bem-estar nos próximos 12 meses, conforme aponta o estudo.
Curiosamente, esses investimentos não fizeram as notificações de casos de burnout diminuir. Pelo contrário: dados da plataforma de jurimetria Data Lawyer mostram que os processos na Justiça do Trabalho citando a doença cresceram de 1.809 em 2021 para 3.164 em 2023 – praticamente dobraram de volume.
Para agravar o contexto, recentemente surgiu o conceito do burnon. O termo foi cunhado na Alemanha por Timo Schiele e Bert te Wildt, médicos estudiosos do tema, para caracterizar um fenômeno similar ao esgotamento profissional, mas com algumas diferenças importantes.
Se o burnout representa uma condição mais visível e aparente, o burnon tende a ficar mais mascarado: em vez de causar uma exaustão que força o empregado a se afastar do trabalho, a pessoa continua trabalhando sem aparentar sintomas claros, mas comprometendo sua vida – inclusive fora do ambiente corporativo – até chegar numa situação insustentável.
Como essas pessoas seguem exercendo sua profissão, mesmo que sob constante estado de estresse e reprimindo seus problemas de saúde mental, elas estão sempre a um passo de serem acometidas pelo burnout.
Em um momento ímpar de convivência de várias gerações distintas no mercado, há quem entenda que existe hoje um excesso de zelo e preocupação com o bem-estar no trabalho. Soma-se a isso o fato de que cada pessoa tem características própria e até mesmo carrega uma carga genética que pode torná-la mais (ou menos) propensa a enfrentar problemas de saúde como ansiedade e depressão.
Qualquer que seja a convicção sobre o assunto, no Brasil e na maior parte do mundo são as organizações que têm a obrigação legal de garantir um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos. Qualquer ação ou omissão, culposa ou dolosa, que gere um dano para seus empregados (de natureza moral ou material) será passível de indenização.
É indiscutível que ambientes profissionais com pressão constante por resultados e jornadas extenuantes geram impactos relevantes para a saúde física e mental das pessoas. Por isso, a resposta para enfrentar os reflexos dessa epidemia de doenças ocupacionais de saúde mental está no fornecimento de programas de saúde mental e estruturação de políticas efetivas para cuidar das pessoas no dia a dia.
Isso passa por iniciativas que vão desde o monitoramento de um horário e volume saudável de trabalho até uma gestão mais próxima, em que o superior hierárquico não só distribua tarefas de forma equilibrada, mas avalie o clima da organização. Estruturar canais adequados de comunicação também é importantíssimo.
Seguindo a tendência de aumento de normas de ESG (sigla do inglês para questões ambientais, sociais e de governança) focadas na força de trabalho, recentemente a Lei 14.831, de março deste ano, propôs ações para o confronto dessa questão já de ordem pública.
A nova norma estabeleceu um certificado para empresas promotoras da saúde mental, em busca de ambientes inclusivos e seguros. O selo terá validade de dois anos e será emitido pelo governo federal.
Embora ainda não seja possível obter o certificado, pois ele segue pendente de regulamentação específica, o texto em vigor já estabelece certos parâmetros a serem seguidos pelos empregadores, incluindo o desenvolvimento de ações para promoção da saúde mental e bem-estar dos trabalhadores, transparência e prestação de contas.
Outro passo recente nesse sentido foi a decisão de incluir a saúde mental entre os critérios para a elaboração de relatórios de gerenciamento de riscos ocupacionais.
A diretiva, proposta por uma comissão do Ministério do Trabalho composta por integrantes do governo, sindicatos de trabalhadores e confederações de empregadores, fará parte da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), a principal no que diz respeito ao gerenciamento de riscos dentro das organizações.
As políticas e ações de monitoramento devem seguir não só as linhas já traçadas pela legislação local, mas também por normas internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT). São passos como esses os que podem reverter o quadro que enfrentamos hoje com o “antigo” burnout e o “novo” burnon.
Qualquer que seja a terminologia usada para caracterizar os males do mercado de trabalho moderno, o remédio inevitavelmente passa por práticas corporativas para promover um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos.
Fonte: Valor Econômico
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