Lei 14.831/2024: ambiente de trabalho mentalmente saudável
23 de julho de 2024, 21h37
Do ponto de vista trabalhista, sem dúvida, a saúde mental é um dos marcadores da qualidade das relações laborais, dos comportamentos e do ambiente de trabalho, não devendo, portanto, ser compreendida ou endereçada de forma individualizada, mas de forma global.
Como um marcador, tem o condão de fazer um retrato das práticas que precisam ser avaliadas, mais bem compreendidas e, eventualmente, reajustadas em conformidade ao mundo ESG, que cobra, cada vez mais, que as empresas observem os princípios sociais e de governança, sob pena de prejuízo aos negócios e às relações comerciais.
É claro que não é novidade a obrigação legal do empregador de assegurar um local de trabalho saudável, com obediência às normas de saúde e segurança. A Constituição de 1988 já asseverava que é direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, mediante normas de saúde, inclusive a mental, higiene e segurança.
De toda sorte, tendo em vista um aumento dos casos de doenças mentais no mundo, devido a uma série de fatores, inclusive em decorrência do ambiente de trabalho, cabe às empresas se atentarem para essa questão de maneira efetiva e humanizada, sempre que possível.
Para ilustrar esse cenário, cabe citar uma reportagem veiculada pela Forbes em janeiro de 2023 [1], que tratava de estudo feito pelo Workforce Institute UKG, com 3.400 pessoas de dez países, e que concluiu que os gestores têm maior impacto na saúde mental delas do que seus psicólogos ou terapeutas.
De acordo com o estudo, as pessoas entrevistadas relataram estarem exaustas e disseram que o estresse afeta negativamente o desempenho no trabalho, a vida doméstica, o bem-estar e os relacionamentos.
Lei 14.831/2024
É justamente em um cenário complexo como o do estudo, em um mundo do trabalho mudando drasticamente, pós-pandemia de Covid-19, com maior aderência ao trabalho virtual, redes sociais cada vez mais intrusivas e o rápido avanço da inteligência artificial, que em 27/3/2024 foi promulgada a Lei 14.831, que instituiu o Certificado Empresa Promotora da Saúde Mental em âmbito nacional e cujo objetivo é prestigiar as boas práticas dos empregadores em relação à saúde mental no ambiente de trabalho.
A implementação de programas de promoção de saúde mental no ambiente laboral, a oferta de acesso a recursos de apoio psicológico ou psiquiátrico aos empregados, a promoção de conscientização sobre o valor da saúde mental via treinamentos, a conscientização direcionada à saúde mental da mulher, capacitação das lideranças, o combate à discriminação e ao assédio em todas as suas formas, o fomento à prática de atividades físicas, e a existência de um canal para receber sugestões e avaliações, são algumas das medidas e das boas práticas trazidas e especificadas pela nova lei para demonstrar as intenções da empresa que queira a certificação.
Embora a certificação seja uma faculdade e não uma obrigação legal a cargo das empresas, não há como ignorar que a lei sinaliza a cautela e o posicionamento do governo federal quanto à saúde mental no trabalho, alinhado ao contexto global, que hoje visa e exige maior aderência aos preceitos ESG de governança corporativa.
Cabe lembrar ainda que é responsabilidade do empregador, diante de sua função social prevista na Constituição, assegurar um ambiente de trabalho saudável, inclusive do ponto de vista da saúde mental.
Particularmente a isso, não há como ignorar que problemas mentais ocasionados pelo trabalho, ou não necessariamente gerados pela atividade laboral, mas com impactos nela, geram custos, tais como afastamentos, improdutividade, absenteísmo, turnover e menor engajamento.
Agora, com essa certificação pelo governo federal, e a possibilidade de as empresas poderem utilizar tal certificado em sua comunicação e em materiais promocionais durante os dois anos de sua validade, a nova lei passa a ser mais um estímulo adicional e uma oportunidade para que os empregadores ajustem, revisem ou criem normativas internas para lidar com essa questão específica da saúde mental.
O ganho é inequívoco, pois com uma maior capacidade de lidar apropriadamente com o tema, automaticamente, as empresas acabam por transmitir uma mensagem de compromisso. Logo, aumentando as suas chances de reter e atrair talentos para a organização, melhorando, ainda, sua reputação no mercado, e como já dito, evitando a judicialização de um conflito.
Justiça do Trabalho
É igualmente necessário notar que a Justiça do Trabalho tem marcado posição sobre a saúde mental, seja após a síndrome de burnout ou esgotamento profissional ter sido incluída em janeiro de 2022 na Classificação Internacional de Doenças e passar a fundamentar pedidos de reconhecimento do nexo causal da doença com a atividade laboral, senão sob outros vieses, como o da conduta discriminatória.
Recentemente, a 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a reintegração ao emprego de vendedora demitida de uma empresa por ter transtorno bipolar, segundo a corte superior, pois a doença causa estigma.
Apesar de a empresa ter apontado que a dispensa se deu por motivos econômicos, e outras pessoas terem sido demitidas no mesmo período, por outro lado, a ministra relatora Kátia Arruda entendeu ter havido abuso de poder diretivo, pois, segundo ela, os meios de dispensa discriminação não são ostensivos, ao contrário, são “sutis, revestidos de superficiais formalidades, marcados pela utilização de expedientes que aproveitam determinadas situações para dispensar trabalhadores com problemas de saúde”.
Sendo assim, partindo da premissa de que tais precedentes representam uma tendência, que a saúde mental vem sendo discutida pelo Poder Judiciário nesses termos, é imprescindível que os empregadores estejam atentos, conscientes e preparados para lidar com a questão, que apesar de espinhosa, quando bem endereçada por todos os atores envolvidos, resulta em um ganho primoroso.
Adotar medidas para mitigar ou minimizar os riscos pertinentes à saúde mental no ambiente de trabalho, ou até fora dele, como ofertar recursos de apoio psicológico ou psiquiátrico aos trabalhadores, além de configurarem boas práticas, que, por sua vez, podem ser consideradas para concessão do certificado, de outra parte, acabam por sinalizar um compromisso público, atraindo resultados positivos, mais engajamento e mais motivação dos empregados.
Capacitação
A preparação dos empregadores deve estar pautada na capacitação da liderança, na realização periódica dos mais variados treinamentos, não apenas de combate ao assédio, mas, de gestão humanizada, por exemplo, visando contribuir para o sucesso de um programa que busque pela plena saúde mental dos empregados e um ambiente de trabalho igualmente sadio e seguro.
Iniciativas como as de uma comunicação aberta e escuta ativa, além de uma análise sempre multidisciplinar da empresa, com participação de RH, serviços especializados em segurança e medicina do trabalho (SESMT) e jurídico, entre outros, são bons exemplos de construção de um ambiente mais saudável e mais atraente para os empregados que nele estiverem inseridos, além de uma reputação corporativa mais robusta.
Sinal dos tempos
Por tudo isso, a Lei 14.831/2024 nasce como um sinal dos tempos atuais, tanto do ponto de vista negativo, porque as pessoas estariam adoecendo e sofrendo mais devido à falta de saúde mental, quanto da perspectiva positiva, ao passo que a sociedade fala mais sobre o tema, busca mais letramento, o que, quiçá, poderá reduzir o estigma e o preconceito que a saúde mental ainda carrega no Brasil e no mundo.
Tadeu Henrique Machado Silva é sócio trabalhista do Cascione Advogados.
Fonte: Consultor Jurídico
Empresa deve manter pagamento de adicional de atividade a carteira afastada por doença de trabalho
Publicado em 23 de julho de 2024
A Justiça do Trabalho da 2ª Região manteve adicional de atividade a carteira que teve de ser readaptada após ter sido afastada das funções de distribuição e coleta de correspondências e encomendas em vias públicas pelos Correios. O afastamento se deu por doença profissional causada pelo esforço excessivo ao manejar, sacudir e arremessar objetos.
Segundo os autos, a profissional foi removida das atividades externas em maio de 2022, inicialmente por 90 dias, mas as restrições foram mantidas após esse período. Com isso, em janeiro de 2023, a empresa cortou o pagamento do adicional de atividade.
No entanto, a instância recursal interpretou que, ainda que a trabalhadora tenha deixado de realizar tais tarefas, não pode ter prejuízo devido a um quadro de saúde provocado pelo próprio empregador.
A juíza-relatora Eliane Aparecida da Silva Pedroso destacou, no acórdão, que a conduta dos Correios é indevida, uma vez que a profissional foi vítima de doença de trabalho e não deu causa à readaptação funcional, compatível com as limitações adquiridas em decorrência de suas atividades. “Inadmissível, portanto, onerar a própria vítima, impondo-se a manutenção da verba”.
A decisão se baseia no artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal, que consagra a irredutibilidade salarial, e nos artigos 187, 927 e 950 do Código Civil, que determinam o dever objetivo de reparação àqueles que causam dano. Fundamenta-se, também, em jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho envolvendo o mesmo adicional.
Com a decisão, a instituição terá que restabelecer o pagamento do adicional, desde a data da supressão, com todos os reflexos em férias, 13º salário e depósitos do FGTS.
“Segurança e saúde no Trabalho: a prevenção é sempre o melhor caminho”
(Processo nº 1000422-32.2023.5.02.0434)
Marco nacional
Instituído em 1972 como o Dia Nacional da Prevenção de Acidentes do Trabalho, o 27 de julho marca a conquista de melhores condições de saúde e segurança no trabalho. Naquele ano, a Portaria 3236 instituiu o Plano Nacional de Valorização do Trabalhador e a Portaria 3237 tornou obrigatórios os serviços de medicina do trabalho e engenharia de segurança do trabalho nas empresas com mais de 100 empregados, além de determinar a atuação da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes.
Ações do TRT-2
Em 2023, a 2ª Região recebeu quase 7 mil ações com os temas acidente de trabalho e responsabilidade civil do empregador, o que demonstra a importância de reduzir esses números por meio de práticas que assegurem condições seguras e hígidas no ambiente laboral.
Por isso, a Justiça do Trabalho mantém desde 2012 o Programa Trabalho Seguro, desenvolvido por todos os regionais trabalhistas para conscientizar e estimular os cuidados ligados ao tema e fomentar a cultura de prevenção. No TRT-2, por exemplo, as atas de audiência deste mês trazem a frase “Segurança e saúde no Trabalho: a prevenção é sempre o melhor caminho”, assim como as notícias jurídicas com esse assunto.
Na quinta-feira (25/7), os Cejuscs de 1ª Instância promovem pautas temáticas com ações ligadas a acidente e doença do trabalho (
saiba mais). E na sexta (26/7), a Escola Judicial do órgão realiza palestra on-line que discute formas de se proporcionar um ambiente de trabalho equilibrado, saudável e seguro (
veja detalhes e inscreva-se).
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho 2ª Região
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