Mudanças climáticas: desafio para a saúde e a segurança no trabalho
31 de março de 2024, 15h21
Os desafios das mudanças climáticas também precisam ser enfrentados pelo mundo do trabalho para preservar a saúde e a integridade física e psíquica dos trabalhadores e das trabalhadoras.
As alterações nos padrões climáticos tendem a aumentar as doenças e os acidentes relacionados ao trabalho, apresentando-se como um obstáculo adicional para as empresas e os governos em seu dever de assegurar ambientes laborais seguros e saudáveis.
Neste contexto, é essencial analisar os impactos das mudanças climáticas na segurança do trabalho e na saúde das pessoas que trabalham e desenvolver estratégias eficazes para mitigar esses efeitos.
Com esse propósito, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) propõe que a reflexão do Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho de 2024, que ocorre em 28 de abril, no âmbito da campanha Abril Verde, tenha como tema central os impactos das mudanças climáticas na segurança e saúde no trabalho.
No pôster da ação, a afirmativa angustiante clama pela ação contundente:
“Não há tempo a perder. O clima está a mudar. É urgente assegurar um trabalho seguro e saudável” [1].
Com isso, a OIT pretende sensibilizar para os impactos das alterações climáticas no mundo do trabalho, destacando que as ocorrências cada vez mais frequentes de fenômenos climáticos extremos podem acentuar a exposição a riscos profissionais, tais como o calor ou o frio excessivo e o consequente estresse térmico, a radiação ultravioleta, a poluição do ar e da água, os acidentes industriais ampliados (Convenção 174), o aumento de doenças transmitidas por vetores e o incremento da exposição a produtos químicos.
Poluição, mudança climática e a vulnerabilidade do trabalhador
O papel do Estado no enfrentamento dos impactos das mudanças climáticas deve ser ressaltado, em especial, diante da recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que reconheceu a justiciabilidade do direito ao meio ambiente como um direito difuso, no caso
Moradores de La Oroya contra o Peru (Série C nº 511)
[2].
O Estado Parte da Convenção Americana de 1969 foi responsabilizado internacionalmente pela omissão em relação à prevenção da poluição ambiental por chumbo, cádmio, arsênico e dióxido de enxofre decorrente das atividades de exploração de minério realizadas pelo Complexo Metalúrgico de La Oroya (CMLO), por não haver prestado informações cruciais para a população ali residente e por descumprir o seu dever de devida diligência em matéria ambiental.
As mudanças climáticas estão associadas a uma série de eventos extremos, como ondas de calor ou de frio, tempestades intensas, enchentes e incêndios florestais, que podem aumentar os riscos de acidentes e doenças no local, enquanto ou em decorrência do trabalho.
Trabalhadores expostos a condições climáticas adversas enfrentam um maior risco de exaustão por calor, desidratação, adoecimentos decorrentes do estresse térmico, lesões relacionadas a quedas, queimaduras e outros perigos.
Setores econômicos que exigem trabalhos a céu aberto são particularmente vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.
Trabalhadores agrícolas, da construção civil, da limpeza urbana, de serviços de emergência, motoristas de ônibus e caminhões e ajudantes de carga e descarga em geral, vigilantes e trabalhadores da segurança pública são especialmente suscetíveis a condições climáticas extremas e ao aumento significativo dos riscos a que estão expostos.
Calor e insalubridade, segundo Ministério do Trabalho
Em 2019, o Anexo 3 da Norma Regulamentadora nº 15 foi alterado para definir que o calor apenas pode gerar insalubridade
“em ambientes fechados ou ambientes com fonte artificial de calor”.
Diante dessa alteração normativa, trabalhadores rurais (como cortadores de cana-de-açúcar) ou da construção civil sujeitos a idêntico risco físico (calor), com igual ou até maior intensidade (temperatura), que empregados de fábricas ou escritórios, não são mais considerados, ao contrário destes últimos, como expostos à insalubridade.
A decisão do Ministério do Trabalho é um agravante nesse cenário de exposição ao risco calor extremo a céu aberto. O Ministério Público do Trabalho (MPT) questionou judicialmente a alteração por entender que é nula, pois ofende diversas regras legais, supralegais e constitucionais tutelares da saúde e segurança do trabalho; gera discriminação ilegítima entre trabalhadores submetidos a idênticos riscos; viola jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho, que por meio da Orientação Jurisprudencial nº 173 da SDI-1, já havia definido que mesmo o trabalhador que labora em ambiente externo, sujeito a carga solar, tem direito ao adicional de insalubridade; usurpa o direito ao adicional de insalubridade; e incrementa riscos à saúde de gestantes e adolescentes, que passam a poder ser submetidos a atividades com exposição a calor a céu aberto, ainda que nocivas à sua saúde, apenas porque uma portaria ministerial decidiu afastar a caracterização dessas atividades como insalubres, sem qualquer amparo técnico.
Entretanto, todos os trabalhadores estão sujeitos a algum tipo de impacto decorrente das mudanças climáticas, o que se percebe pelas denúncias que aportam atualmente no MPT.
São relatos de desidratação, mal-estar, tontura, desmaios, dor de cabeça e esgotamento físico em empregados da indústria, do comércio varejista e supermercados em geral, trabalhadores de telemarketing e da tecnologia da informação decorrentes do trabalho em ambientes muito quentes e nos quais a climatização artificial não consegue se encarregar de manter a temperatura em níveis confortáveis ao corpo humano.
Para enfrentar os desafios das mudanças climáticas, é imprescindível implementar medidas de adaptação, mitigação ou neutralização no ambiente de trabalho como ocorre com qualquer outro risco ocupacional.
A Constituição de 1988 assegura o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho, enquanto a CLT garante expressamente o direito ao trabalho em condições de conforto térmico adequado, por exemplo. As Normas Regulamentadoras 9, 24, 31 e 38 também abordam o risco físico calor.
Os programas de saúde e de segurança do trabalho, portanto, devem ser atualizadas para incorporar as questões relacionadas às mudanças climáticas, prevendo diretrizes específicas para lidar com eventos climáticos extremos, dispondo sobre a implementação de sistemas de alerta precoce e a promoção de uma cultura organizacional que priorize a segurança e o bem-estar dos trabalhadores em quaisquer condições climáticas.
Trabalho em ambiente externo
Em ambientes a céu aberto, a eventual impossibilidade de implementar ventilação artificial não afasta o dever de prevenção, que deve contemplar fornecimento de treinamento adequado sobre segurança em condições climáticas extremas; desenvolvimento de planos de emergência eficazes; disponibilização de água potável em quantidade adequada e incentivo à hidratação; fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletivo adequados, incluindo roupas que protejam do sol e não esquentem e acessórios como bonés do tipo legionário; disponibilização de cremes contra radiação solar para reposição contínua; mudanças na organização e processos de trabalho para reduzir a exposição a riscos ambientais, inclusive com definição de horários com menos exposição ao sol para trabalhos mais pesados; vedação de pagamento por produção; concessão de pausas para descanso e recuperação térmica em locais arejados e protegidos do sol; orientações sobre sinais e sintomas de doenças causadas pela exposição ao calor, entre outras ações.
Para atividades em ambientes externos sem fontes artificiais de calor, a Fundacentro disponibiliza um aplicativo, o Monitor IBUTG, que avalia a exposição ao calor. É importante que seja usado por empregadores para melhorar as medidas de prevenção e por trabalhadores e sindicatos para exigir condições mais salubres e seguras de trabalho.
Exposição ao calor excessivo requer medidas de proteção
A legislação trabalhista brasileira pode não ter diretrizes específicas de prevenção em razão da origem dos riscos ocupacionais, como é o caso do aquecimento global, mas o regramento é claro quanto ao dever de identificar os perigos externos previsíveis que possam afetar a saúde do trabalhador e a segurança no trabalho, avaliar os riscos decorrentes e implementar medidas de prevenção e controle. Portanto, não há espaço para a omissão empresarial em nenhuma hipótese.
No atual cenário em que as condições de saúde e de segurança no trabalho podem ser cada vez mais afetados pelos impactos das mudanças climáticas, isso se torna ainda mais relevante. Contudo, ainda verificamos uma dificuldade de compreensão e efetiva consideração desses impactos no mundo do trabalho.
Todos os riscos identificados no ambiente de trabalho, decorrentes ou não do processo produtivo, devem ser avaliados e medidas de prevenção precisam ser implementadas para evitar agravos à saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras.
A exposição ao calor excessivo, gerado por fontes naturais ou não, deve ser enfrentada com medidas de proteção adequada, as quais devem ser objeto de revisão contínua pelas empresas para assegurar sua efetividade na prevenção de danos aos trabalhadores.
É indubitável que o enfrentamento dos desafios das mudanças climáticas requer uma abordagem ampla, consciente, responsável, colaborativa e multissetorial. O importante é que as perspectivas do meio ambiente do trabalho, da organização e dos processos de trabalho e, sobretudo, da saúde das pessoas que trabalham sejam sempre consideradas na definição dos planos e das políticas de prevenção e atenção frente aos extremos climáticos.
Empresas, governos, sindicatos, organizações da sociedade civil e comunidades locais devem trabalhar juntos para desenvolver soluções abrangentes que protejam os trabalhadores e as trabalhadoras, promovam a resiliência climática e garantam um trabalho decente, seguro e saudável e um futuro sustentável para todos e todas.
O movimento “Abril Verde” nos faz lembrar que as doenças e os acidentes do trabalho precisam ser prevenidos, mesmo quando decorrentes de fenômenos climáticas extremos, pois assim como quaisquer outros riscos ocupacionais, são previsíveis e precisam ser reconhecidos e adequadamente enfrentados.
[1] Disponível em:
https://www.ilo.org/lisbon/sala-de-imprensa/WCMS_913536/lang–pt/index.htm
[2] Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/casos_sentencias.cfm?lang=pt
Cirlene Luiza Zimmermann - é coordenadora nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat) do Ministério Público do Trabalho.
Fonte: Consultor Jurídico
Simpesc nas redes sociais